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LGBTFOBIA NAS ARQUIBANCADAS

O FUTEBOL BRASILEIRO

O futebol é uma paixão arraigada no coração do povo brasileiro, desempenhando um papel central na cultura e identidade do nosso país. Ao longo dos anos, o futebol tornou-se muito mais do que um simples esporte para o Brasil - se tornou uma forma de expressão, um elemento unificador e um símbolo de orgulho nacional.

Os estádios onde ocorrem as partidas se tornaram espaços de encontro, onde as pessoas se reúnem para torcer e apoiar suas equipes. Durante os jogos, as diferenças sociais, econômicas e culturais são deixadas de lado, e a emoção e a paixão pelo futebol tomam conta. O esporte transcende barreiras e une torcedores, criando um senso de comunidade e pertencimento.

No entanto, é essencial reconhecer que, apesar de ser um esporte que promove a união, certos grupos, como o público LGBTQIA+, enfrentam diversos desafios dentro do meio futebolístico. Para muitos torcedores LGBTQIA+, os estádios de futebol não são ambientes acolhedores e seguros. Atos de violência, discriminação e preconceito estão presentes nos relatos de muitos que frequentam esses espaços. Insultos homofóbicos, gestos ofensivos e até agressões físicas são exemplos de comportamentos intolerantes enfrentados dentro e fora das arquibancadas. 

No ano de 2022, o Anuário do Observatório do Coletivo registrou 74 casos de homofobia envolvendo agentes ligados ao futebol brasileiro (dentro e fora de campo). De acordo com o relatório, houve um aumento de 76% dos casos com relação ao período anterior. Em 2021 foram 42 e, em 2020, ano do início da pandemia de covid, com os campeonatos paralisados, esse número foi de 20 casos.

Os dados apresentados nos gráficos à seguir foram retirados do anuário. Neles, analisamos as informações trazidas no Observatório e buscamos organizá-las didaticamente. A sessão horizontal é organizada para que cada mês corresponda a uma coluna separada e a vertical é destinada para o número de vezes que houve uma ocorrência monitorada de LGBTQIA+fobia no futebol brasileiro. Confira:

O FUTEBOL CEARENSE

O futebol cearense viveu a maior fase da história no ano de 2022. Com a ascensão dos dois clubes que representam o estado na elite nacional, Ceará e Fortaleza disputaram simultaneamente competições internacionais e mostraram ao continente o peso de suas torcidas, que aproveitam a grande fase do clube do coração para festejarem nas arquibancadas. 

 

No entanto, embora ambos os clubes tenham superado a média de público de 30 mil pessoas por jogo até o primeiro semestre do ano, nem todos os torcedores se sentem bem-vindos no estádio, e muito menos pela própria torcida.

 

Medo, insegurança e não possuir a liberdade de ser quem é, sem ser recebido com maus olhares pelo público ao redor, são os principais relatos de torcedores LGBTQIA+ de Ceará e Fortaleza enquanto vão a Arena Castelão acompanhar o time do coração.

 

Não basta apenas terem que se adaptar em um ambiente historicamente machista e heteronormativo, os torcedores cearenses LGBTQIA+ também têm que aguentarem calados os cânticos LGBTfóbicos oriundos das arquibancadas, os quais contém uma única mensagem: de que eles, lá, não são bem-vindos. Nem mesmo se vestirem as cores de seus clubes e apoiarem até o fim.

 

Cânticos esses que soam igualmente nos dois lados, seja alvinegro ou tricolor. E embora quem entoa esse grito nas arquibancadas justifique que seja para provocar o rival – diretamente citado nas canções – o argumento cai por terra tendo em vista que os atos LGBTfóbicos são praticados em todos os jogos, independente de quem seja o adversário, evidenciando que a ofensa é dirigida a apenas um público, e ele não veste as cores preto-e-branco ou vermelho-azul-e-branco, mas sim as do arco-íris, que o representam mais que os clubes, que seguem ignorando sua existência.

CLUBES OMISSOS

Os clubes – apontados por muitos como um dos principais responsáveis pela manutenção da LGBTfobia nas arquibancadas – não se esforçam para promover a inclusão da torcida LGBTQIA+ no meio da massa, como se esses torcedores não fizessem parte dela. 

 

Para além das postagens em homenagem ao Dia do Orgulho, pouca ação se vê fora das redes sociais para fazer com que o LGBT se sinta mais do que incluído na multidão, mas também representado e, acima de tudo, respeitado. 

 

Respeito esse que não se compra, nem mesmo quando se paga uma taxa mensal para ser sócio-torcedor e ao separar uma parcela do salário-mínimo para comprar produtos e acessórios nas lojas oficiais dos clubes, que parecem se importarem mais com a pirataria do que com a LGBTfobia.

 

Apesar de ter se posicionado no Dia do Orgulho, o Fortaleza ignorou o fato de Richarlyson, ex-jogador do clube, ter se assumido bissexual aos 39 anos, se tornando o primeiro futebolista brasileiro a jogar na elite nacional a sair do armário, mesmo oito anos após pendurar as chuteiras. O Fortaleza se esqueceu que o jogador atuou na Série A pela primeira vez vestindo as cores do Tricolor, e sequer prestou uma mensagem pública em apoio ao atleta.

 

Já o Ceará sequer se posicionou no Dia do Orgulho neste ano, passando em branco mais uma vez no dia 28 de junho. Em conversa com os torcedores LGBTQIA+ do Alvinegro, houve uma expectativa de, enfim, o clube dialogar com essa parcela da torcida após se manifestar no dia do combate a LGBTfobia, celebrado em 17 de maio, mas não passou apenas de esperança. 

 

E a sensação da comunidade é de que o Ceará aparenta não ter orgulho de possuir a primeira torcida LGBTQIA+ do Estado, pois apesar de saber da existência de um movimento em prol da causa que está presente no meio das arquibancadas, há pouco esforço para combater o preconceito que esses torcedores sofrem da própria torcida em todas as partidas do clube. 

 

Os dois clubes nem mesmo elaboram uma reunião com as principais torcidas organizadas com o objetivo de reeducar os responsáveis por balançar o estádio nos momentos de euforia, tendo em visto que esses atos de injúria pode prejudicar o clube na disputa dos campeonatos, além do principal: afastar o torcedor LGBTQIA+ das arquibancadas.

DOIS PESOS,DUAS MEDIDAS

Em ano histórico para os clubes, tanto Ceará quanto Fortaleza sofreram com episódios lamentáveis de atos racistas por parte de torcedores argentinos, em jogos pela Sul-Americana e Libertadores. 

 

As ações profanadas pelos adeptos adversários gerou revolta e indignação de alvinegros e tricolores, que juntos realizaram manifestações contra o racismo nas arquibancadas, com direito a faixas e mosaicos durante os jogos pelos torneios internacionais. 

 

Porém, ao mesmo tempo em que se combatia devidamente o racismo, a torcida fechava os olhos e soltava o grito para entoar cânticos LGBTfóbicos, presentes na maioria das canções mais famosas dos dois times.

 

Contudo, não é só a torcida que fecha os olhos para essa situação. Tanto o racismo quanto a LGBTfobia estão enquadrados no mesmo artigo do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que não diferencia os tipos de injúria, mas, ao mesmo tempo, as instituições não olham para os dois casos com a mesma atenção.

 

Segundo o Artigo 243-G, do CBDJ, “Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, com pena prevista em multa, que varia de R$ 100,00 a R$ 100.000,00 reais, além da possibilidade do clube ser punido com a perda de três pontos (ou seis, em casos de reincidência), e até ser excluído da competição, caso ela não seja no formato de pontos corridos.

 

Se identificados, os torcedores que praticarem atos discriminatórios podem ser proibidos de ingressar nos estádios por, no mínimo, 720 dias.

 

No entanto, embora haja cânticos LGBTfóbicos em todos os jogos de Ceará e Fortaleza, e de outros clubes no Brasil, nunca nenhum clube da Série A foi severamente punido por esses atos discriminatórios oriundos das torcidas como são punidos por racismo, o que evidencia a impunidade das instituições para esses casos, que fortalece a LGBTfobia no futebol aplicando punições brandas, como a aplicação de multas.

 

Em casos de injúria, os árbitros são orientados a suspenderem a partida até que a torcida pare de proferir as ofensas e devem relatar os casos em súmula para que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) entre com uma ação contra o clube.

 

Entretanto, Ceará e Fortaleza raramente são denunciados e julgados pelo STJD pelos cânticos LGBTfóbicos que partem das torcidas, que são constantes em todas as partidas. 

 

Em dezembro de 2021, o Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ chegou a denunciar o Ceará e mais outros sete clubes por manifestações discriminatórias, mas o STJD arquivou a denúncia alegando que o coletivo não cumpriu com todos os requisitos para o tribunal prosseguir com o julgamento.

 

“A Procuradoria tem se empenhado para combater todos e quaisquer atos discriminatórios no futebol, porém existem regras processuais a serem respeitadas no nosso ordenamento jurídico, entre elas a capacidade para estar em juízo, ser jurisdicionado da Justiça Desportiva. Estando ausente algum dos requisitos, como o caso do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ, não há como prosseguir com a denúncia”, afirmou o Procurador-Geral da instituição, Ronaldo Piacente, em nota publicada no site do STJD.

SER TORCEDOR

Como é ser um torcedor LGBTQIA+ presente nas arquibancadas e conviver com as constantes ofensas direcionadas a você pela própria torcida?

 

Para entender melhor, a reportagem conversou com Júnior Guedes e Rafael Yago, torcedores homossexuais de Ceará e Fortaleza, respectivamente, os quais relataram experiências únicas no futebol e, ao mesmo tempo, semelhantes de certa forma, tendo em vista que compartilham a mesma luta contra o preconceito em meio a constante insegurança que os cerca nas arquibancadas.

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