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AS BARREIRAS CRIADAS PELA HETERONORMATIVIDADE

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A psicóloga Juliana Murta (25), mestranda em psicologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), falou sobre o que é a heteronormatividade e sobre como ela está presente na sociedade e no esporte. 

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Segundo Juliana, esse conceito se refere a um conjunto de princípios que são vistos como normais no meio masculino. “A heteronormatividade, se a gente for pensar a partir da visão do masculino, é um conjunto de regras daquilo que é visto como natural, daquilo que é visto como normal, daquilo que é visto como regra. Você é aceito se você agir assim, se você tiver dentro desse padrão e no padrão geralmente é homem, branco, magro e heterosséxual.”

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“[...] E no padrão de mulher? É a mulher branca, magra, loira, jovem, mas ainda assim nunca é ela que tem a palavra final, ela nunca tá dentro do padrão completo porque esse padrão é masculino, para homens. Os homens têm um poder de escolha muito maior, esse poder de escolha acaba sendo barrado quando a gente olha pro lugar de um homem preto, por exemplo, né? [...]”. 

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A psicóloga fala também sobre o fato do futebol no Brasil ser um esporte muito masculino e que não dá tanto espaço para que as mulheres se expressem. Quando elas se expressam, têm seus argumentos a respeito do esporte questionados pelos demais, sejam eles homens ou até mesmo outras mulheres. E isso acontece também por conta da heteronormatividade.

Se tratando especificamente da população LGBT, Juliana comenta que o ambiente futebolístico é extremamente hostil para essa comunidade. “Quantos casais homoafetivos vocês já viram nos estádios? De mãos dadas? Porque poucos vão, e os que vão precisam se preservar. É um ambiente hostil pra essa população, é um ambiente hostil porque a gente encontra pessoas que não aceitam e pessoas que respondem essa não aceitação com violência. O estádio de futebol é um ambiente extremamente heteronormativo em que as mulheres são objetificadas, as líderes de torcida são objetificadas. Quando elas entram, dependendo de onde você tá sentado, você escuta comentários extremamente sexistas”. 

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O medo de sofrer hostilidade não é a toa. Segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no mês de junho de 2022, o homicídio doloso de pessoas LGBTQIA+ cresceu em 7,2% de 2020 para 2021, aumentando o número de registros para 179. Enquanto a lesão corporal dolosa elevou para 35,2% no mesmo período, sendo registrados 1.719 casos.

 

Falando de uma experiência própria, Juliana comenta que já chegou a ver crianças reproduzindo xingamentos até mesmo com as líderes de torcida que entravam no estádio. A psicóloga explica que esse tipo de  comportamento surge em crianças porque elas são ensinadas a agirem assim, acreditando que isso os torna homens. 

 

“Chegam no estádio entendendo que aquele espaço é deles, foi feito pra eles e ali eles vão colocar toda a formação do que é ser homem, e esse ser homem chega a ser tóxico em alguns momentos, porque ser homem é o quê? Você é viril, é forte, é hostil, não pode se curvar a mulher nenhuma, já tem que nascer ganhando muito porque você vai ter que ser provedor da família, porque é uma vergonha se você não for… É uma vergonha se você não souber jogar futebol. Homem não gostar de futebol é um problema! tem alguma coisa errada aí! Então é um ambiente todo preparado, todo feito pra isso". 

 

E além dos estádios, o futebol pode ser assistido de qualquer lugar. As pessoas se juntam por exemplo em bares e restaurantes para comentarem e assistirem aos jogos, principalmente os homens. E nesses espaços, também é possível observar a manifestação da heteronormatividade.

 

“O bar associado ao álcool, vamos dizer assim, ele acaba sendo um ambiente bem masculino. Bem masculino no sentido preconceituoso da frase, né? Porque é muito tranquilo, muito normal você ver um monte de homem numa mesa de bar bebendo. Mas se você ver uma mesa com 5, 6 mulheres, todas ela bebendo, todas elas tão ficando animadas. Pronto. Tá errado. Tem alguma coisa muito errada ali. Elas já começam a ser xingadas de tudo quanto é nome e isso também tem a ver com a heteronormatividade. E a base, na verdade, da heteronormatividade, é o machismo, é o sexismo e é também o racismo que atravessa tudo isso.”  afirma a psicóloga, que também ressalta que em espaços virtuais, como nas redes sociais, também se observa essa imposição social.

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A psicóloga explica também que em lugares como bares é constante se ver muito mais homens do que mulheres presentes. As mulheres nesses ambientes muitas vezes vão, mas vão acompanhadas e não se sentiriam plenamente seguras se estivessem sozinhas nesses locais, pois poderiam ser importunadas ou agredidas. Ainda segundo a psicóloga, o mesmo poderia acontecer com a população LGBT. 

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“Pra população LGBT do mesmo jeito, às vezes o percurso da mesa que a pessoa tá até o banheiro, às vezes o ir ao banheiro, é preocupante, porque acaba virando um espaço de violência. O espaço de violência pra população LGBT é praticamente o existir, porque pra onde você olha você não sabe quem é que você vai encontrar, você não sabe em que espaços você pode ser, ser de acordo com aquilo que você deseja, porque a todo instante você pode tá sendo ameaçado por essa norma”.

 

Ela também fala dos danos psicológicos que toda essa violência pode gerar nas vítimas do preconceito, no caso, a população LGBT. “O sofrimento pode gerar ainda mais problemas de saúde mental, pode levar a um quadro de depressão, pode levar a um quadro de fobia, um quadro de ansiedade.”. 

 

A psicóloga ainda explica que o conceito de ser viril, ser homem, muitas vezes é interpretado por alguns como ser agressivo e assim justificam o fato de serem preconceituosos.

 

“Ser homem, muitas vezes é ser viril, forte, muitas vezes é essa virilidade e essa força são demonstradas por meio da violência, né? E o estádio por ser um ambientes extremamente masculino, abre espaço pra isso. Muitos dos torcedores justificam, dizem que é piada, que é brincadeira, que sempre foi assim, que agora que as pessoas estão se incomodando - porque na sociedade agora ninguém pode falar nada, é tudo mimimi -  mas a violência está aí e o estádio acaba sendo um lugar de abrir portas”. 

 

Juliana fala que é por meio dessas falas preconceituosas, por exemplo, que o discriminação continua presente nos estádios. 

 

“Enquanto a gente continuar naturalizando essas violências, essas micro violências, porque tem essa outra questão. A gente costuma enxergar muito a violência como o ato final, como a trans que foi assassinada, como a trans que foi espancada, como o homossexual que foi espancado até a morte…  A gente enxerga muito violência como isso, como se aquele ‘bixa’ em tom de xingamento, como se o ‘não, não vou sentar aqui não’ como se o ‘não, anda direito’, como se isso não fosse violência e isso é violência. São as micro violências, são as violências psicológicas”. 

 

Falando da heteronormatividade e do quão tóxica ela é porque muitos homens vivem nesse mundo de agressividade e de não poder demonstrar fraqueza, Juliana Murta fala o quão prejudicial ela pode ser para os homens heterossexuais. 

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“Afeta e afeta violentamente, os homens são os que mais se suicidam, as mulheres tentam mais e os homens conseguem mais. Por quê? Primeiro porque as formas de suicidio que os homens tentam são extremamente violentas e agressivas. Segundo porque pra um homem em sofrimento psíquico procurar ajuda, é um parto. Por quê? Porque o homem é ensinado que ele não pode chorar, e essa é uma violência imensa que fazem com as nossas crianças. Se vocês verem um menininho de três, quatro anos chorando, você já escuta ‘não chora que você é menino, menino não chora’. E aí o menino já  vai crescer daquele jeito, já vai crescer entendendo  que ele tem esse padrão específico de homem, e se ele não segue esse padrão específico de homem as pessoas já vão questionar a sexualidade dele”.

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Juliana explica que o machismo é péssimo para as mulheres, mas é péssimo também para os homens. Ela continua: 

 

“O machismo dita tudo que você tem que ser pra ser um homem. E se você é um homem, se enxerga como um homem e não entra naquele padrão, começam as micro violências”.

 

“Aí vem a questão da masculinidade tóxica, o homem ele é aquele cara que chega no grupo de amigos e começa a falar da intimidade dele, começa a falar da sexualidade dele… E se você quer ser mais reservado? - que é perfeitamente natural - Porque ser homem não quer dfizer que você queira falar da sua sexualidade o tempo inteiro, ainda que você seja hétero”. 

 

Juliana reitera que a masculinidade é criada para ser frágil. Os homens que não entram no padrão podem perder até as amizades e isso tudo causa um adoecimento. Quando adoecem eles não procuram ajuda, novamente por conta daquela visão de que o homem não pode ser frágil. Uma questão importanete que também foi levantada por Juliana é que o Brasil é o país que mais mata LGBT’s, mas também é o que mais consome pornografia com pessoas trans.

 

Por fim, Juliana acredita que uma forma de combater essa heteronormatividade é criar mais espaços de inclusão seria através da educação.

 

“A resposta disso é a educação, na verdade é a resposta pra muita coisa, muitos problemas do nosso país estão na educação. Isso lá na pré escola mesmo, porque as nossas crianças, as crianças elas não nascem homofóbicas, elas não nascem racistas, elas são ensinadas.”

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Confira a entrevista completa:
00:00 / 1:06:34
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