Júnior Guedes
Os bons momentos guardados na memória são muitos: a empolgação das viagens para ver o time, a vibração na comemoração de títulos conquistados e os afetos construídos ao longo dessa caminhada são apenas alguns exemplos. No entanto, recordações negativas também ocupam um lugar doloroso.
Criado com a bandeira alvinegra no peito, Júnior Guedes, de 25 anos, gay e torcedor ativo do Ceará, cresceu dentro das quadras e dos estádios assistindo aos jogos com grande admiração. Com uma vida inteira pautada no esporte, o estudante de serviço social relembra momentos que o fizeram questionar se o espaço
futebolístico também o recebe com a mesma paixão e respeito que o torcedor tem pelo time.
O ataque homofóbico sofrido em 2019, no jogo entre Ceará e Atlético Mineiro pelo Brasileirão, deixou marcas. Vaiado e humilhado por sua orientação sexual, Júnior conta que foi alvo do ataque na entrada da Arena Castelão pela mesma torcida da qual faz parte. Devido ao repugnante acontecimento, ele decidiu dar um tempo dos jogos, deixando de frequentar 5 partidas disputadas pelo time, temendo por sua integridade física e mental.
“Ao mesmo tempo que eu sentia falta [de assistir aos jogos no estádio], eu sentia medo. E não só medo, também vergonha”
O estudante também comenta sobre o descaso do clube com o episódio de homofobia e a grande proporção que o acontecimento tomou nas redes sociais. Ele conta que a coordenação do time do Ceará negou o que ele havia passado, não oferecendo qualquer tipo de apoio ou retratação. Com a repercussão do caso nas mídias sociais, Júnior diz que o apoio da comunidade LGBTQIA+ e de seus amigos foi fundamental para voltar a frequentar os estádios. Apesar disso, os traumas ficaram. “Não vou dizer pra você que eu me sinto confortável de andar pelo estádio, porque eu não me sinto.”
Júnior ainda explica que a lgbtfobia, comparada ao racismo, é uma agressão vista de maneira menor, sem tanta importância, principalmente no meio esportivo. Para ele, diferentemente da luta contra o racismo, muitas pessoas não querem ser atreladas a pautas LGBTQIA+. O estudante acredita que o público heteronormativo, principalmente os que frequentam ambientes onde a maior parte das pessoas são homens, tem receio de ser confundido com uma pessoa que também faz parte da comunidade LGBTQIA+. “Quando a gente fala de movimento LGBT as pessoas ainda — as pessoas que eu digo são os héteros — elas ainda têm muito receio, sabe?”.
Júnior também cita que a luta contra o racismo é tão importante quanto a luta contra a lgbtfobia, porém muitas pessoas não se engajam e não se posicionam no combate devido aos estigmas que existem contra a comunidade. “É mais normalizado quando você é contra o racismo — não que seja uma pauta menos importante, pelo contrário, ela deve sim ter espaço também. Mas a gente vê essa exclusão das pautas LGBT justamente por isso, pelo estigma que traz”.
O torcedor também falou sobre as punições sofridas pelos times em consequência de atitudes lgbtfóbicas das torcidas. Punições essas que, segundo ele, muitas vezes acabam afetando negativamente a comunidade. "Os cânticos homofóbicos são pautas bastante problemáticas. Problemáticas no sentido de que, querendo ou não, quando o STJ pune, ele pune as instituições — no caso os times com perda de pontos —. E aí o quê que acontece? É gerado um novo ódio, um novo ataque contra as pessoas LGBT’s”. Júnior explica que quando pessoas da comunidade LGBT denunciam esses cânticos, o ódio volta para a comunidade e acaba não gerando nenhum tipo de conscientização para aqueles que promoveram os ataques. Tendo em vista que a comunidade LGBTQIA+ não consegue combater todo esse preconceito sozinha, é necessário que haja mais diálogo entre as torcidas e os clubes, pois são a maior representação do povo dentro da instituição.
Os cânticos, xingamentos e apelidos lgbtfóbicos constantemente entoados nas arquibancadas são agressões que precisaram esperar até junho de 2019 para se caracterizarem como crime, quando finalmente o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero fosse tratada como ação criminosa. O torcedor diz não acreditar em uma extinção rápida das ações lgbtfóbicas praticadas pelas torcidas, mas afirma não ter perdido as esperanças na transformação da sociedade para uma mais inclusiva. “Seria contra o que eu acredito pensar que isso vai se reverberar para sempre - principalmente tendo essa leva de orgulho.
É importante ter orgulho de si. É importante a gente quebrar essa barreira de paradigmas, de tabu”.
Falando sobre afetividade, o torcedor afirma que tem medo de agir de maneira afetuosa com os amigos dentro dos estádios e em outros ambientes devido ao preconceito muito enraizado nesses lugares. “Eu sou uma pessoa muito afetuosa e eu tenho muitos amigos héteros, principalmente no estádio. Então, às vezes eu fico com receio de ser quem eu sou com eles no ambiente, sabe?”. Júnior mostrou indignação ao contar que alguns desconhecidos já chegaram a perguntar se ele e um amigo eram um casal, e diz achar estranho não fazerem esse mesmo tipo de questionamento para pessoas héterossexuais.
A coordenação do time do Ceará foi procurada por nossa equipe para esclarecer o episódio de homofobia sofrido pelo torcedor Júnior Guedes, no entanto não deram retorno.