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CANGAYCEIROS

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Além das arquibancadas, há também coletivos LGBTQIA+ que atuam dentro de campo a fim de combater a exclusão de pessoas da comunidade no esporte, as quais muitas vezes não se encaixam dentro do padrão heteronormativo e não se sentem confortáveis ou convidadas para jogar futebol. É o caso do Cangayceiros, time de Futebol de 7 de Fortaleza.

 

A reportagem conversou com Lucas Bertullino (29), formado em publicidade e propaganda e atual presidente do time, cujo faz parte desde a fundação. Ele conta sobre a origem da equipe, as principais dificuldades, planos para o futuro e a luta constante por mais espaço e respeito no futebol.

 

A origem do Cangayceiros surgiu após um indivíduo em um grupo de uma rede social sugerir a ideia de formar um time para pessoas LGBTQIA+. Então, no dia 18 de maio de 2019, houve o primeiro jogo do coletivo. O grupo, a princípio, começou com rachas (peladas/jogos descontraídos) e aberto para todo o público, inclusive para héteros cis, e permanece assim atualmente, mas nem sempre foi assim. Em um determinado momento, havia uma espécie de “cota” para os indivíduos heterossexuais jogarem junto com o coletivo, devido a um episódio em que um jogador, desconhecido pela maioria dos integrantes do grupo, entrou forte em uma dividida e acabou machucando um dos jogadores LGBT.

 

Geralmente, a cota funcionava quando não havia dois times suficientes formados por pessoas LBGT. Dessa forma, permitia a entrada de jogadores héteros para completar as equipes. Entretanto, a cota nunca existiu para mulheres, sejam trans ou cisgênero e independente da orientação sexual, uma vez que elas sempre foram incluídas pelo coletivo. A treinadora do time, inclusive, é uma mulher. Katiane Venâncio é formada em Educação Física e comanda a equipe competitiva do Cangayceiros. Diferente dos rachas, o time que disputa campeonatos e amistosos contra outras equipes, sejam formados por outros coletivos LGBTQIA+, ou não, é formado apenas por jogadores LGBT.

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Recentemente, a equipe foi campeã do primeiro torneio LGBTQIA+ de Massapê-CE. Lucas destacou a evolução do time competitivo no período de um ano. Uma das equipes derrotadas pelo Cangayceiros no campeonato era de Massapê, que há um ano atrás havia vencido o time da capital cearense. O primeiro confronto havia sido 3 a 1 para os adversários, enquanto na campanha do título do torneio LGBTQIA+ o Cangayceiros bateu os oponentes por 2 a 1.

 

Como todo time, nem só de vitórias vive o Cangayceiros. Mas como apenas os times formados por atletas LGBTQIA+, o peso da derrota é ainda maior, uma vez ela não acontece apenas dentro das quatro linhas. Ao enfrentar times formados por jogadores héteros, muitas vezes o coletivo saia na frente do placar e tinha que ouvir os adversários falarem: “Vamos perder para essas bichas?”. A agressão, no entanto, nem sempre era verbal. As entradas também eram cada vez mais fortes e desleais nos membros do grupo, uma vez que os oponentes não lidavam com a derrota para um time LGBTQIA+. E mesmo saindo de campo com o triunfo, o sentimento de derrota permeava, uma vez eles não haviam sido respeitados. Respeito esse que era ausente na caminhada do Cangayceiros por um espaço para jogar futebol. Atualmente com os jogos realizados aos sábados na Arena Champions, localizado no bairro Maraponga, os integrantes já haviam passado por outros clubes com campos society, onde conviveram com ofensas disfarçadas de piada por outras pessoas que passavam próximas do campo onde eles jogavam. 

 

E mesmo com as denúncias realizadas pelo grupo, as gerências dos locais não davam ouvidos para eles e ignoravam a situação, além de reforçarem a heteronormatividade presente nos espaços destinados ao futebol. Esses casos, inclusive, chegaram a afastar atletas do time da prática do esporte.

 

“O que adianta a gente permanecer no espaço onde estamos nos divertindo, sendo que nem a própria gerência nos respeita? Isso faz com que nós não nos sintamos acolhidos e eu sempre estive com medo de sofrer alguma violência”, disse.

 

A luta, além de ir em busca do respeito, também era para conseguir apoio. Lucas também ressaltou que em nenhum momento o Cangayceiros recebeu apoio governamental e que, por muito tempo, eles se sustentavam sozinhos, como alugar um espaço para jogar futebol e realizar os treinos, como também para realizar a criação de coletes e uniformes com os adereços do clube. O desejo de continuar existindo, porém, falou mais alto, e o time conseguiu firmar com duas novas parcerias que auxiliarão o time a efetuar inscrições em campeonatos, custear novos uniformes e expandir o nome do Cangayceiros para além da capital.

 

O coletivo é um espaço acolhedor não somente por fazer com que as pessoas da comunidade LGBTQIA+ possam jogar futebol sem que sofram LGBTfobia, mas também por permitir com que os amantes do esporte possam dar o primeiro pontapé. Presidente do Cangayceiros, Lucas relata que é comum os integrantes abraçarem as pessoas que não tinham o costume de jogar futebol, mas que não jogavam porque não se sentiam convidados dentro daquele espaço, que costuma ser rude e exclusivo com aqueles que têm pouca técnica.

 

“A pessoa não conseguia nem dominar uma bola. E hoje essa pessoa consegue dominar, chutar com as duas pernas. É uma evolução gigantesca!”, destaca Lucas.

 

Para além do acolhimento, o Cangayceiros também entende que, assim como qualquer clube, deve ter responsabilidade social. O coletivo já realizou doações de roupas para a Casa Transformar, lar de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ em vulnerabilidade social em Fortaleza. Na pandemia, eles também realizaram arrecadação de alimentos, máscaras e álcool em geral para moradores de rua.

 

Ele reforça o conceito de que ninguém solta a mão de ninguém. O Cangayceiros, sozinho, não tinha condições de realizar doações. No entanto, o grupo contou com apoio de mais pessoas que não são integrantes do coletivo para conseguir aporte financeiro para conseguir realizar a arrecadação desses materiais.

 

Para o futuro, Lucas sonha alto, assim como qualquer dirigente de futebol. Ele afirmou que o Cangayceiros sonha em disputar campeonatos regionais de Futebol de 7 e fala sobre as dificuldades não só esportivas que a equipe encararia por atuar em torneios de alto nível. 

 

“Eu sei que não é fácil. Nenhum time quer perder em amistosos, nenhum time quer perder pra bicho, de viado, de uma mulher trans, imagine (perder em) uma competição, né? Então eles dariam a vida pra não perder para um time de viado”.

 

Porém, em meio aos sonhos, ele ressalta qual é o objetivo mais importante: continuar existindo, para permanecer resistindo.

 

“É pra fazer com que (o Cangayceiros) se torne ainda maior, que permaneça. O principal sonho é que ele permaneça e nunca acabe, que é o mais difícil”.

 

Por fim, Lucas finaliza afirmando o que significa o Cangayceiros e o que o coletivo representa para o combate à LGBTfobia no futebol.

 

“É um clube que a gente quer fazer com que a gente se sinta representado dentro do esporte. E não é ‘Ah, a bicha que joga bola’, pode ser até a bicha ou viadinho que joga bola, mas é o viadinho ou a bicha que joga a bola e quer mostrar pra todo mundo sabe jogar bola”. 

 

“Que pode ser campeão de uma competição, pode ser ela só de LGBT ou de héteros. Que inclusive nós pensamos em estar inseridos nesses espaços (heteronormativos). A gente não quer só participar de torneio LGBT, a gente quer participar de torneios héteros mesmo, porque aí eles vão perceber que não é só a bichinha e o viadinho. É o Cangayceiro que joga bola, é o Cangayceiro que está ali pra competir!”.

Confira a entrevista completa:
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