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VOZÃO PRIDE

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Buscando maior inclusão no meio das arquibancadas, um grupo de torcedores do Ceará Sporting Club fundaram no dia 21 de janeiro de 2020 a primeira torcida LGBTQIA+ do Estado: a Vozão Pride. A reportagem conversou com Ana Beatriz (24), estudante de jornalismo e uma das fundadoras do coletivo, que explicou sobre a origem do movimento, os principais desafios, dificuldades, além do combate contra o preconceito e os planos para o futuro.

 

Motivados, a princípio, por uma ideia de formar um movimento LGBT entre torcedores que abordasse futebol de maneira leve e descontraída nas redes sociais, ela, junto com outros quatro torcedores alvinegros – Anderson, Bruna, Eduardo e Otávio –, resolveram partir para uma organização mais séria que abordasse pautas em prol da comunidade no futebol.

 

“A gente ia criar, na verdade, uma página mais de comédia. Mas percebemos que não tem como fazer isso só ser uma comédia, então vamos falar de coisa séria também já que etsamos falando da pauta LGBT”, disse.

 

Apesar de ser um movimento organizado, a Vozão Pride ainda não é legitimamente uma torcida organizada do Ceará, uma vez que até o momento desta reportagem não há registro no cartório para que o grupo seja reconhecido nas arquibancadas.  A informalidade impede, por exemplo, que o grupo leve faixas e outros adereços para a Arena Castelão, além de não obter proteção dos órgãos de segurança e um espaço próprio no estádio. E apesar de que o registro no cartório ser uma das principais metas do coletivo a curto prazo, Ana Beatriz não garante que os membros da Vozão Pride vão ao acompanhar as partidas como as demais torcidas organizadas.

 

“Mas eu não sei ainda se quando for registrado nós vamos começar mesmo a ir, por questão de segurança mesmo. Só quando eles (Ceará) confirmarem mesmo o respaldo da segurança do estádio para saber se a gente vai ou não com as camisas”. 

 

Ana Beatriz afirmou que todo o grupo desconhecia os processos de legitimação de uma torcida organizada, e disse que alguns membros da comunicação do clube, que os conheciam através das redes sociais, chegaram a explicar o processo de formalização. A cúpula do Alvinegro, porém, não dialogou com o coletivo a respeito de outros assuntos, como a pauta LGBTQIA+. E embora a Vozão Pride tenha realizado contato com a diretoria do clube para cobrar a instituição a tratar desse tema nos últimos dois anos, obteve a primeira resposta apenas no Dia Internacional do Combate à LGBTfobia, celebrado em 17 de maio. 

 

“A gente fez muita pressão para o Ceará se manifestar sobre as datas voltadas para a população LGBT. […] Fizemos carta aberta, fizemos vários posts, várias entrevistas e aí nesse ano, quando foi no dia de combate a LGBTfobia (17 de maio), eles postaram”.

 

O Ceará, contudo, voltou a não se manifestar no Dia do Orgulho, celebrado em 28 de junho. Ana Beatriz, entretanto, acredita que uma semente foi plantada no clube.

 

“E apesar de que no Dia do Orgulho eles não postaram – acho que a média é só uma postagem por ano –, mas pelo menos eles já estão tendo esse entendimento, sabem que é importante. A gente sabe que não é só um post que vai mudar alguma coisa, mas é importante para que outras pessoas vejam que o time está começando a entender (a pauta LGBT)”

 

A Vozão Pride, porém, reconhece o pouco esforço do clube para combater a LGBTfobia nas arquibancadas, que é presente em todos os jogos do Alvinegro, inseridas nos cânticos entoados pelas principais torcidas organizadas. Ana, inclusive, chegou a ironizar o fato do Ceará se intitular como o “Time do Povo”.

 

“O time precisa, sim, mudar a postura. E até porque ele se autointitula um ‘Time do Povo’, né? E a gente também é povo!”, afirmou.

 

Questionada sobre como a Vozão Pride se comporta no momento dos gritos LGBTfóbicos emergidos pela própria torcida, Ana foi contundente: 

 

“A gente simplesmente não canta”, e questiona: “Por que cantar assim? Por que não mudar a letra?”.

 

A letra que Ana se refere é da canção conhecida como “Liga pro zoológico” – uma das mais famosas do time – onde em determinada parte a torcida entoa palavras como “Come c* de TUF gay” e em seguida dispara repetidamente “A TUF é gay!”. 

 

A Vozão Pride chegou a publicar nas redes sociais pedindo aos torcedores sugestões de adaptação da letra da canção. O coletivo chegou a ter apoio de alguns movimentos organizados do Ceará, como o Vai Rolar a Festa, Setor Alvinegro, Camisa 14 e Torcedoras Raiz. O coletivo tentou inclusive entrar em contato com a Cearamor e a Mofi, duas das principais torcidas organizadas do Ceará, para ter apoio e sugerir mais debate sobre a problemática das partes LGBTfóbicas da canção, mas não obtiveram retorno.

 

E não somente calados respondem os membros da Vozão Pride em forma de protesto quanto aos casos de LGBTfobia nas arquibancadas. O grupo faz parte do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ, que reúne os movimentos de torcidas de clubes de futebol e tem papel na construção de ações conjuntas em combate a discriminação no esporte. Em dezembro de 2021, o Coletivo Canarinhos denunciou o Ceará e outros sete clubes para o STJD por casos de LGBTfobia nas arquibancadas. A denúncia incluiu jogadores e até mesmo o presidente Robinson de Castro, que foram acusados de coagir com os gritos discriminatórios oriundos da canção “Liga pro zoológico”. O tribunal, porém, arquivou o caso sob a justificativa de que o Coletivo Canarinhos não seguiu “regras processuais a serem respeitadas” pelo ordenamento jurídico, uma vez que, segundo o STJD, não houve “algum dos requisitos” necessários para prosseguir com a denúncia.

 

O caso repercutiu entre os torcedores do Ceará nas redes sociais, que afirmaram que a Vozão Pride tentou prejudicar o clube. Algumas pessoas, inclusive, ameaçaram os membros do coletivo, que chegaram a ocultar fotos no Instagram nas quais apareciam os rostos dos membros por medo e insegurança. Em questão disso, Ana afirma que a torcida está mais preocupada com as punições do clube invés de se importarem com as pessoas que compõem a própria torcida.

 

“A maior preocupação da torcida era que a punição fosse em pontos ou em perda de mandos de campo. Só que isso deveria ser o mínimo com que a torcida deveria se preocupar, porque são ações que machucam outras pessoas e que as pessoas (que ofendem) estão se preocupando mais com o time ser punido do que com a torcida fez (propagar LGBTfobia)”.

 

Questionada sobre qual a melhor forma de combate contra a discriminação nas arquibancadas, ela acredita que, de início, o árbitro principal deveria suspender a partida até que os cânticos fossem cessados, além de haver uma maior fiscalização dos órgãos de segurança do estádio para que os sujeitos fossem identificados e indiciados por crime de injúria. 

 

Ela também acredita que campanhas efetivas e punições com perda de mando de campo ou o time jogar com portões fechados seja uma boa forma de evitar a propagação de discriminação nesse espaço. Ela, entretanto, acredita que a perda de pontos não seria a melhor forma de reeducar a torcida e que isso “acaba só gerando uma represália” e teme que “talvez seria um pouco pior pra gente (LGBT)”.

 

Por fim, ela e os demais membros da Vozão Pride têm a esperança de que parte da torcida reflita sobre o que eles estão cantando e reforça a necessidade de debates sobre a pauta, a fim de alcançar o maior número de torcedores para ajudar no combate a LGBTfobia no estádio. 

 

Além disso, ela ressalta a importância da existência do coletivo para combater a discriminação, uma vez que isso pode influenciar torcedores LGBT de outros clubes para terem coragem de fundar uma torcida organizada própria.

 

“Eu acho muito importante que a gente exista. Mas eu realmente queria que tivesse (torcida organizada LGBT) de outros clubes porque daria mais um apoio, daria mais segurança. A gente recebe muitos comentários da torcida do rival (Fortaleza) dizendo: ‘ah, porque lá (no Ceará) eles têm a torcida LGBT, então é uma torcida que só tem viado’. Aí acredito que se tivesse um de cada time, talvez os clubes começassem a abraçar mais essas torcidas, e a torcida que é LGBTfóbica acabasse percebendo e diminuindo as falas e os atos (discriminatórios)”.

 

Rival do Ceará, o Fortaleza não tem um movimento entre torcedores LGBTQIA+ tão forte quanto a Vozão Pride. O coletivo alvinegro, porém, é referência entre torcedores do Tricolor e inclusive eles incentivam e encorajam que os adeptos do Leão do Pici também criem um grupo organizado voltado para a comunidade que frequenta os estádios.

 

“O pessoal (do Fortaleza) tem muito medo – e é totalmente compreensível – e a gente fica incentivando demais pra eles criarem (uma torcida organizada LGBTQIA+), porque seria um apoiando o outro. Por mais que fosse torcida rival. Seria muito interessante”.

Confira a entrevista completa:
00:00 / 52:54
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